Timóteo Gonçalves

Um “historiador” no turismo


Timóteo Gonçalves tem uma boa educação em casa. Isso reflecte-se na escola, onde é bem visto por todos e conquista inúmeras amizades.
Nos tempos do liceu, a sua paixão é a História e a Filosofia. Todo o percurso estudantil é feito para tirar um curso nesta área, não para ser professor, mas para viver a História. Fascina-o a ideia do arqueólogo que estuda e escava caminhos do passado. E as pirâmides.
Ainda hoje consegue ficar parado tempo sem fim junto a uma múmia.
Recorda, com saudade, a professora Helena Pita da Silva que, sabendo da paixão de Timóteo Gonçalves, estabelece contactos com a Fundação Calouste Gulbenkian. Por isso, quando termina o liceu, tem uma bolsa de estudo da fundação à sua espera para estudar em Lisboa. Mas por questões orçamentais familiares decide não seguir essa via.
E, de repente, vê-se colocado no mundo do turismo e das viagens. As “escavações” desejadas na juventude são feitas em busca de lugares nos aviões e nos hotéis.
Lembra-se do primeiro dia de trabalho. Dá por si a tirar fotocópias durante uma tarde. Interroga-se: para quê ser tão bom aluno, empenhar-se tanto, para acabar numa actividade que nunca pensou fazer?

Rota do Atlântico

A 1 de Novembro de 1977 começa a trabalhar numa agência de viagens na Matur, a Rota do Atlântico, propriedade do grupo Grão Pará.
Surgem nomes esquisitos, não de faraós mas relacionados com o presente: “transfer”, “vaucher”, e por aí adiante, que enriquecem o seu léxico.
Tudo o que faz é novo para si. Tem de aprender o que a escola não ensina. Mas rapidamente se adapta. Desprende-se do passado. Sente que aquele é o seu caminho.
Nesse período recorda Emílio Tavares. Dele ouve palavras aconchegantes. Diz que, na vida, só há um caminho: ser o melhor no que fazemos. Mesmo sendo engraxador, há que ser o melhor para ter o respeito dos outros.
Timóteo Gonçalves considera que aquelas sábias palavras são decisivas. Ainda hoje o acompanham.
Aplica-se na agência. Faz o seu melhor. Ao fim de quatro meses é já um elemento com lugar na estrutura da agência.
Em 1978 tem conhecimento de que uma grande agência internacional, na altura, a terceira maior do Mundo, depois da American Express e da Thomas Cook, quer abir uma agência na Madeira. Trata-se da Meliá.
Toma a iniciativa e fala com Samurano Pina, que abre a agência na Avenida Zarco, 14.

Meliá

Fala com o agente. Tem o suporte do irmão José António Gonçalves, director de promoção do Turismo da Madeira. Trabalha directamente com João Borges.
Diz que na agência onde trabalha não há mais para evoluir. E, já que entrou no mundo das viagens, quer ir mais além. Não é por uma questão de dinheiro, antes de oportunidade.
A 1 de Maio de 1978 muda para a Meliá. Continua a ganhar o mesmo.
Aprende muito com Samurano Pina.
A agência está mais voltada para receber turistas.
Cerca de dois anos mais tarde, o director de então decide enveredar por um projecto autónomo.
Com um lugar vazio, o director-geral para Portugal, o espanhol José Manuel Rodrigues, pergunta a Timóteo Gonçalves quem considera ser a pessoa ideal para director da Meliá no Funchal. Diz que ainda não reúne as condições ideais para o ser. Defende que a pessoa indicada é o irmão José António. Fala com o irmão, que aceita e que passa a ser o novo director. Mas, algum tempo depois, a empresa espanhola entende que tem mais para dar e decide convidá-lo para ser director-geral da empresa na Bélgica, onde ainda se encontra.

O mais jovem director

Com nova vaga e nova pergunta de Lisboa, diz que, agora, já tem capacidade para ser director, continuando a aprender.
É o mais jovem director da Meliá no Mundo. Recorda que, na altura, o director de uma agência de viagens é um cargo importante. Uma importância que se perde com o manancial de informação posto à disposição do consumidor hoje em dia.
Quando se senta no novo gabinete fica orgulhoso de si próprio.
A partir daí diz que a vida começa a ensiná-lo.
Não tem experiência de gestão empresarial, nem maldade.
Surgem complicações com o caixa da Meliá no Funchal, um amigo seu. Hoje, a alguns anos de distância, deixa claro que, com a experiência que ganha ao longo da vida, se fosse agora, não permitiria que ele se metesse nesses sarilhos. Sarilhos que surgem em meados da década de 80. É detectado um grande buraco na Meliá no Funchal. No continente, a empresa não controla o que deve.
Assim, de um momento para o outro, Timóteo Gonçalves vê-se a braços entre tribunais e a empresa, porque é seu representante. Durante a noite põe o expediente da agência em dia.
A ideia de que “quem não deve não teme” faz aguentar Timóteo Gonçalves nesses momentos difíceis. O caixa é preso. Cumpre a pena e hoje tem a sua vida refeita com dignidade.

Rumo a Lisboa

A Madeira começa a ser pequena, e, um dia, a Meliá convida-o para seguir para Lisboa, com o intuito de chefiar todo o departamento receptivo da empresa em Portugal.
Aceita o desafio.
É um dos três directores que ficam abaixo do director-geral. É igualmente o mais jovem a ocupar tal cargo. Ocupa o lugar do comendador Rui Horta, um dos donos do grupo ES Viagens, que sai para montar um projecto próprio.
Sente-se satisfeito pela confiança que a Meliá deposita em si, apesar do problema que surge no Funchal, na agência que dirige.
Começa a trabalhar em Lisboa. Vive no Hotel Altis de segunda a sexta-feira. Os fins-de-semana são na Madeira, durante praticamente cinco anos, um período em que viaja também por essa Europa fora. Muitas vezes acorda sem saber onde está.
Nessa altura traz à Europa e à Madeira grupos de brasileiros de alto poder aquisitivo. Ficam surpreendidos com a Madeira, depois de visitarem locais de culto do turismo internacional.
Faz outra operação de sul-americanos para a Europa. Passa por cima da Meliá em Espanha. Em Portugal, organiza os próprios circuitos com argentinos, brasileiros, uruguaios...
Tem tanto sucesso que a Meliá Espanha manda parar a operação.
Considera que os tempos são muito bons. Ganha muito dinheiro. Como gosta de confraternizar e de comer bem, faz muitas jantaradas com amigos e o irmão Luís, no Solar do F. Passa de 75 quilos para quase 100.
É um período onde apura a qualidade.
Lembra-se de uma entrevista dada em 1988 por Dionísio Pestana, que o reconhece como sendo sempre um iluminado no país, onde vê mais dois ou três. É uma entrevista onde refere que a Madeira tem qualidade excessiva. Uma frase que recorda ter gerado alguma controvérsia.
Na realidade, diz que a Madeira é um destino onde o preço pago é muito inferior à qualidade oferecida. Ainda hoje, apesar de considerar que a qualidade tenha baixado, reconhece que ainda continua a ser muito inferior.
Por tudo isto, aposta forte na qualidade em tudo o que faz.

O “padrinho”

Entretanto, a Meliá passa por mudanças, a partir de 1988. É adquirida por um italiano, que acaba por ser preso. A empresa está com uma saúde financeira debilitada.
Um dia é chamado a Madrid para falar com o novo dono, Jean Carlo Parretti. Quando lá chega parece ter entrado num filme de “O Padrinho”. Pensa que está no filme errado.
Recebe o convite para ser o director-geral da Meliá para o receptivo em todo o Mundo. A empresa tem escritórios em 52 países. Parretti nem quer saber quanto pede Timóteo Gonçalves. Paga o quiser. Fala-se, na altura, em 1 milhão de pesetas, limpas, com casa e carro em Madrid. Com 29 anos, Timóteo reconhece que é uma proposta tentadora e interessante, se tem vindo das pessoas certas.
Tenta dizer que não quer aceitar o cargo, que está muito bem em Portugal. A resposta é que naquela casa faz o que lhe mandam. E a partir daquele dia é o director de receptivo da Meliá.
Sai da reunião com razões para dar saltos de alegria. Mas mantém os pés no chão. Atravessa a cidade de Madrid. Vai à sede da empresa, junto ao Hotel Meliá Princesa. Sobe ao terceiro andar. Senta-se no escritório.
De repente pensa que os directores inalcançáveis na estrutura da empresa passam a ser colegas. Acima de si só está o presidente da empresa.
São 15 horas.
Começa a olhar para papéis em cima da mesa. Ninguém diz o que deve fazer.
Procura pela senhora que sabe ser a sua secretária. Não está, nem quase ninguém. Vem fora e fala com os “seguranças”. Pergunta onde está toda a gente. Dizem que na sede, no Verão, a partir das 14.30 horas, fecha definitivamente.
Pensa que uma empresa com escritórios em todo o Mundo, com grandes diferenças horárias, tem de ter pessoas todo o dia, e, possivelmente, também à noite.
Definitivamente diz que não é o seu filme. Fica no cargo um dia.
Regressa a Lisboa.
Chega junto do director-geral, Rafael Ferrer, com quem aprende muito, e diz que vai entregar a carta de demissão. Estamos em Setembro/Outubro de 1989.
Aquele, não aceita, dá-lhe tempo para pensar.
No final do ano consegue um programa que a Unilever lhe dá directamente. São cerca de sete semanas seguidas com um programa de incentivos a holandeses e belgas. Sente-se na obrigação de aguentar a operação. Está muito fidelizada.

Regresso à ilha

Em Janeiro volta a apresentar uma carta de demissão. Definitiva. Diz que a partir de Junho vai embora. Assim acontece.
Volta à Madeira.
A 13 de Setembro de 1990 entra na agência de viagens ABTours, comprada pelos irmãos, que lhe pedem para tomar conta.
Como está com o desejo de voltar para a Madeira e a querer deixar a Meliá, aproveita a oportunidade.
Assusta-se com o que vê na empresa. Vem de uma grande para uma má agência de viagens na Madeira.
Mas não baixa os braços. Relança a imagem e parte à busca de clientes. Preocupa-se essencialmente em “dar oxigénio”.
A dado momento decide abandonar a marca antiga. Lança uma nova: a Deluxe Tours.
Em seis meses consegue trazer todos os seus clientes da Meliá.
Mas começa a aperceber-se de que quanto mais paga mais deve. Os números que falam no início não têm nada a ver com o que encontra na empresa da qual, entretanto, fica com 59% do capital.
Sabe que os irmãos não lhe deixam um presente envenenado. Estão tão enganados como Timóteo Gonçalves.
Pede uma auditoria da Ernest & Young às contas da empresa. Os resultados apresentados são dramáticos.
Faz um curso de gestão de forma que diz ser a pior, com a dura realiadde dos números, tem de andar em bancos e a fazer trinta por uma linha. Durante seis anos aguenta a empresa, sempre com este problema.
Começa a fechar agências e a eliminar postos de trabalho para emagrecer os custos. Inclusivamente tem de vender o bom carro que tem para assumir compromissos.
Quer parar a empresa e passar para outro lugar onde possa continuar a desempenhar a sua actividade sem estas preocupações. Faz o naufrágio da empresa da melhor forma.
Surgem algumas hipóteses. Nos finais de 1996 o seu amigo e compadre Júlio de Sousa convida-o para constituir uma empresa, a Portitours, detida em 70% pela Portimar/Olimar e 30% por Timóteo Gonçalves.
Aceita o repto. Muda-se sozinho. Dá protecção aos colaboradores.
Ao fim de dois anos decide sair. Consegue recuperar a imagem. Reconhece a oportunidade que Júlio de Sousa lhe proporciona. Diz não estar em dívida com o empresário, mas muito grato.
É convidado para ser director-geral da Halcon em Portugal, que integra o grupo Globalia, que factura 350 milhões de contos na Península Ibérica. A ideia não é muito bem aceite porque não quer sair da Madeira. Não obstante, reconhece que é uma nova oportunidade. Diz que tem um compromisso com a família, por isso fala em casa. Dão-lhe apoio.

Halcon

Dá-se a situação de o madeirense Ricardo Caldeira passar pela ilha como co-piloto de ralis. Pergunta-lhe se pode contar com ele para o norte de Portugal. Diz que sim.
Parte para Lisboa. Primeiro vai só. Fica no quarto 409 do Hotel Lisboa Plaza, de onde guarda a chave como recordação. Depois, leva a família.
A missão de Timóteo Gonçalves é abrir 50 agências Halcon em Portugal durante o ano 1999.
Tem de partir do zero. Enfrenta um mercado hostil. São seis meses a viver com intensidade.
No terceiro ano de exercício, a Halcon em Portugal ganha o prémio do grupo como a melhor área de negócio de todas as empresas, incluindo o operador aéreo e a companhia de aviação.
Presentemente tem 41 lojas em Portugal e 98 colaboradores.
Timóteo Gonçalves trabalha cerca de 12 horas de trabalho por dia. Tem uma paixão pelo trabalho, onde procura, em cada dia, ser pró-activo.
Sai de casa, do outro lado do rio Tejo, pelas 7 horas da manhã. Apanha o comboio e, 22 minutos depois, está na capital. Apanha o Metro, toma café e lê “A Bola”. Pelas 8 horas está na empresa, na Av. Fontes Pereira de Melo, junto ao Marquês de Pombal.

Coragem de guarda-redes

Durante a juventude é guarda-redes de andebol e também de futebol.
Um dia muda para o Marítimo, o clube do pai.
Timóteo Gonçalves realça que o facto de ter sido guarda-redes de andebol ensina a ter muita coragem e sangue-frio. Prepara-o para a vida e para não fugir a desafios e responsabilidades.
Durante mais de um mês chega a ser presidente da direcção do Farense. A missão é vender a quota do grupo na sociedade desportiva, o que consegue.
Lê jornais, mais desportivos. Lê igualmente colunas de opinião no Público, no Expresso e na Focus, de onde gosta particularmente das que saem da pena de Ferreira Fernandes, o director da revista.
No domínio dos hobbies, os principais são estar juntos da família. Pelo menos duas vezes por ano vai de férias para as Caraíbas, igualmente com a família.

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