David Caldeira
O engenheiro economista
Uma das coisas que mais preza é a
liberdade. Procura criticar o humor e refere que critica até de si
mesmo. Bom conversador tem o condão de dar exemplos constantes para
melhor elucidar o que expressa. Tem uma vida rica de episódios e,
por isso mesmo, diz estar a «tomar umas notas» para um dia escrever
o livro da sua vida. Chama-se David Caldeira.
por: Paulo Camacho
por: Paulo Camacho
O percurso de David Caldeira começa
com a sua saída da localidade onde nasceu: o Seixal, no norte da
ilha da Madeira. Estava na terceira classe quando parte para a
Venezuela onde o aguardavam os pais. Recorda esse tempo com saudade.
Porque o marcou. Passou de um lugar de onde apenas podia sair de
barco nos anos 50 para uma cidade como Caracas, desenvolvida, onde
tudo era novidade.
Fica naquele país dois anos lectivos.
Tem oportunidade de mostrar os dotes para os números quando chamado
ao quadro para fazer contas complicadas, com vírgulas e tudo. O
ensino venezuelano não chegava a tanto. Por isso constituía um
exemplo. Quando ia ao quadro, era uma estrela. Vinham alunos de
outras turmas para ver o “portuguesito hacer cuentas” .
Dá-se o regresso à Madeira onde
continua os estudos do liceu. Mais tarde, segue para Lisboa onde
ingressa na faculdade para tirar o curso de Engenharia Química. Um
curso que ainda hoje não sabe bem porque o quis fazê-lo. Pensa que
os amigos tiveram influência.
Acaba o curso em 1971. É convidado
para assistente no Instituto Superior Técnico, onde tirara a
licenciatura.
O desafio
Poucos anos antes fora criado um
departamento de planeamento na administração pública. Chamava-se
Secretariado da Presidência do Conselho, cujo primeiro presidente
foi João Salgueiro, que viria a ser, mais tarde, ministro das
Finanças. O objectivo do organismo era preparar planos de fomento.
David Caldeira recorda que a Europa tinha feito planos de
desenvolvimento pós-guerra, mas Portugal mantinha-se atrasado.
Eis que chega uma carta ao Técnico
para recrutar três jovens engenheiros com boa formação matemática.
É perguntado aos jovens assistentes quais estavam interessados. A
resposta não se fez esperar. David Caldeira respondeu prontamente,
assim como o seu colega António Guterres [actual primeiro-ministro
demissionário] e ainda Galhardas Vermelho, hoje na actividade
empresarial.
É então que vai trabalhar para a área
da indústria e energia, nos planos de fomento destinados aos
investimentos do Estado. É nessa altura que surgem importantes
projectos de electricidade e refinação de petróleo no país.
No entanto, não deixa de conciliar o
novo desafio com a continuação como assistente na faculdade.
Durante esse período da vida tem
oportunidade de realizar vários cursos de formação ligados às
áreas do planeamento e do desenvolvimento económico. «Isso, de
alguma forma, mudou a minha vida», diz. E porquê? Porque nunca
trabalhou na engenharia que se formara e mudara o rumo profissional.
Regresso por 6 meses
Entretanto, tem de cumprir o serviço
militar obrigatório. Acaba por «ter sorte» e fá-lo na Marinha, o
que lhe permitiu continuar a trabalhar à civil, com excepção do
tempo da recruta. Foi uma altura em que passa pelos Açores, onde
participa numa acção conjunta com a França na pesquisa de atum.
Em 1975 David Caldeira regressa à
Madeira porque é criada uma junta de planeamento na ilha: a
primeira. O general Carlos Azeredo, o prof. Virgílio Pereira, o
economista João Abel de Freitas e o então padre Paquete Oliveira, que
também era director do de Notícias, da Madeira, que, segundo se
recorda, a integravam, pediram à instituição onde trabalhava, no
continente, o jovem David Caldeira para que viesse alguém com alguma
experiência nesse domínio montar a junta na Região.
Posteriormente, é nomeado para a Junta - que esteve funções entre
finais de Março de 1975 e finais de Setembro do mesmo ano - o major
Faria Leal em representação do Movimento das Forças Armadas.
Recorda que na Madeira havia uma
comissão de planeamento, mas que, segundo as suas palavras, era
incipiente.
O director-geral do Departamento
Central de Planeamento, que mudara para este nome depois do 25 de
Abril, chama David Caldeira. Pergunta se estava interessado no
desafio, tendo em linha de conta que era natural da ilha. E lá vem,
em comissão de serviço, supostamente para estar apenas seis meses.
Mas acaba por ficar... até hoje.
Posteriormente, com 28 anos, pertence a
uma segunda junta governativa, responsável pelo planeamento e pelas
finanças. «Se calhar, houve alguma inconsciência que me levou a
aceitar o lugar.»
Posteriormente é convidado para a
banca, para a análise dos pedidos de investimento e crédito. Entra
na Caixa Geral de Depósitos.
Paralelamente, começa a desenvolver
serviços de consultadoria em relação a determinados investimentos
Passa pela política e é eleito
deputado para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira pelo
Partido Socialista. Fez um mandato completo e mais dois incompletos.
Volta à banca, que deixaria
definitivamente mais tarde.
Os “amigos de Alex”
Em 1987 junta-se a um grupo de nove
pessoas, a que chama os “amigos de Alex”. Resolvem iniciar uma
operação pela área do turismo. Juntam-se a uma empresa
proprietária de terrenos. Todos fazem os trabalhos necessários para
o projecto sem receberem nada por isso. É assim que nasce o Suite
Hotel Eden Mar, de quatro estrelas, no Funchal.
O negócio corre bem, não sem que
antes tenham auscultado o mercado. Começam a pensar em crescimento.
Crescimento
Juntam-se a outro grupo de pessoas e
constroem o The Cliff Bay, de cinco estrelas.
Mais tarde reúnem-se numa holding e
estabelecem uma parceria com o operador internacional: Neckerman, que
detém 25 por cento do capital.
Constroem um novo hotel na zona velha,
o Porto Santa Maria (4*). Continuam a crescer e estão a construir
mais dois junto ao Eden Mar.
Outros projectos estão na calha para o
Algarve e Lisboa e mesmo mais longe.
Feito um balanço da actividade dos
“Amigos de Alex”, David Caldeira diz, com satisfação, que
passaram de um clube de “solteiros & casados” para um de
primeira divisão na hotelaria nacional.
Paralelamente, a Ocean Islands, a
holding que está por cima das empresas de turismo, imobiliária e
indústria, projecta e concretiza empreendimentos imobiliários como
Galerias São Lourenço e Adegas de São Francisco. David Caldeira
está mais ligado operacionalmente aos dois últimos.
Por outro lado, entram na actividade
empresarial através da empresa Didier & Queirós, especializada
na confecção de rebuçados que adoçam as bocas de quem viaja nos
aviões da TAP ou que vai à Presidência da República, só para dar
alguns exemplos.
Saber partilhar
David Caldeira é defensor de uma
gestão partilhada. Ao contrário da matemática e das ciências,
considera que não existem soluções únicas. E, gerir, diz ser,
sobretudo, antecipar e resolver problemas. Acontece até que, algumas
vezes, os colaboradores sabem mais que nós próprios. Daí que haja
a necessidade de partilhar para se aumentar a probabilidade de
sucesso e para fazer empenhar as pessoas. «Grande parte do segredo
de uma empresa é o empenhamento de todos.»
O empresário complementa a componente
de gestão com a ilustração do triângulo com três vértices,
assumidamente divergentes: os accionistas, que temos de satisfazer.
Depois há que, igualmente satisfazer o cliente, porque senão o
fizer «não temos a menor probabilidade de sucesso». E, finalmente,
os colaboradores que tem também de satisfazer. «É este equilíbrio
que é necessário, satisfazendo as três partes, puxando umas vezes
mais para um lado e outras, para outro.» Considera que a gestão
ainda não é uma ciência, «usa-se, serve-se, mas necessita de arte
e equilíbrio para termos sucesso.»
E porque falamos de negócios, David
Caldeira dá a receita. Desvenda o segredo para o bom negócio: um
misto de entusiasmo e de introdução de factores de racionalidade e
ponderação.
A internet
No domínio das leituras diz que lê e
passa os olhos na maioria dos jornais, semanários, revistas, e por
aí adiante. E fá-lo em suporte de papel e igualmente tirando
partido da internet. Neste último domínio considera que,
rapidamente fica a saber o que se passa no mundo inteiro.
É utilizador diário da internet e tem
e-mail pessoal em casa e na empresa. Revela que está a ser feito um
esforço enorme dentro da empresa no sentido da comunicação interna
ser feita unicamente desta forma.
Em matéria de livros, também os lê.
Mais do que um de cada vez. Em média três/quatro de cada vez. Há
uma temática que o prende especialmente: a História. Da mais
variada. Considera que não se consegue compreender a actualidade sem
saber o que se passou. «Até porque, muitas vezes, algumas pessoas
julgam que descobriram a pólvora, quando já houve antecessores que
foram igualmente inovadores...»
Sobre esta matéria recorda episódios
que aconteceram quando estava na banca. Sempre que entrava alguém
novo para trabalhar no banco, aplicava um ritual. Convidava-o para
almoçar e oferecia um livro de História de Portugal. Era combinado
nova refeição para daí a um mês onde falava sobre o livro. Com a
“praxe” contribuía para que as pessoas que, eventualmente, não
conhecessem, bebessem os factos da nossa história.
Em relação à ocupação dos tempos
livres refere que a sua primeira opção recai sempre por tudo quanto
contribua para manter uma boa forma física. Todos os fins-de-semana
anda pelas serras e levadas. Faz parte de clubes de ginástica, e
nada todos os dias.
Culto do convívio
Outro grande hobbie é o convívio.
Diz-se um fervoroso adepto do convívio com a família e com amigos.
«Faço disso um culto.»
Por outro lado ainda, embora se
auto-classifique de “forreta” (diz que o seu software não deixa
ter grandes prazeres como as extravagâncias de usufruir dos últimos
modelos de carros) não deixa de viajar, onde diz perder um pouco a
cabeça. Adora andar pelo mundo que o conhece já em alguma expansão.
Aliás, considera que viajar com a
família faz parte do processo educativo, contribui para quebrar
rotinas e unir ainda mais a família.
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